sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

Progresso pra quem?

Por Camila Queiroz

Há alguns anos acompanhamos a “luta” das elites cearenses para transformar o Porto do Pecém no que ele realmente deveria ser, de acordo com o projeto do Governo do Estado: um complexo industrial que vai agregar usina siderúrgica, termelétrica, uma futura refinaria de petróleo, entre outros empreendimentos. Se o Ceará quiser de fato se “desenvolver”, dizem a mídia e as elites, é necessário esse complexo industrial. Mas o que é esse desenvolvimento?
A usina siderúrgica Ceará Steel faz parte do Complexo Industrial do Porto do Pecém. Avaliada em U$ 760 milhões, tem financiamento de um consórcio formado por BNDES, BNB, empresa italiana Danieli, da Dongkuk Stell, da Coréia do Sul, e da Companhia Vale do Rio Doce. O projeto terá 80% de recursos externos. A partir da Usina, espera-se elevar a exportação local de placas de aço em 41%.
A promessa é de que a usina vai gerar 1.600 empregos, ocupando uma área de 297 hectares e utilizando um volume de água equivalente ao utilizado em Maranguape por 90 mil habitantes, sendo a fonte o açude Sítios Novos, localizado em Caucaia.
A siderúrgica anuncia que utilizará carvão mineral como fonte de energia para a produção do aço, energia que pode ser o impulsionador que conduzirá o mundo a ultrapassar o limite no que diz respeito às alterações climáticas. De todos os combustíveis fósseis, o carvão é o que lança na atmosfera a maior quantidade de CO2, além de dióxidos de Nitrogênio e Enxofre, por unidade de energia gerada. Em segundo lugar, vem o petróleo e, por último, o gás natural.
Os impactos ambientais desses empreendimentos são de grandes proporções e afetarão não apenas o estado, mas todo o planeta. A grande quantidade de gás carbônico que será emitido pelas termelétricas, a possibilidade de chuva ácida em virtude da alta emissão de dióxido de enxofre, o alto índice de emissão de material particulado pela poeira do carvão, que contêm grandes índices de nocividade para a saúde, os resíduos e afluentes líquidos que poderão contaminar os lençóis freáticos e comprometer o suprimento de água para as comunidade da região, são apenas algumas conseqüências imediatas da instalação de usinas movidas a carvão mineral. Os trabalhadores, as comunidades do entorno e mesmo a população em geral estarão expostos a acidentes industriais maiores, como incêndios, explosões, contaminação de extensas áreas e de diversos ecossistemas. Esse tipo de empreendimento não é mais aceito nos países desenvolvidos, onde já causaram muitos danos e a legislação ambiental é forte. Mas aqui no Brasil são recebidos como salvação desenvolvimentista para nossa miséria, sob o custo de incentivos fiscais pagos pelos cofres públicos e da exploração insustentável dos recursos naturais por aqui ainda existentes. Eles colocam como bom para o Ceará o que na verdade é bom para meia dúzia de empresários, daqui e de fora também. Sob a capa do velho discurso do progresso, prometem emprego e desenvolvimento. Na verdade, um projeto de desenvolvimento nitidamente elitista e concentrador de renda, insustentável, explorador de recursos humanos e naturais com fortes impactos no modo de vida das populações indígenas e tradicionais, tanto do sertão quanto do litoral.
Há ainda previsões para implantação de duas termelétricas: uma de 700 MW, que vai usar coque de petróleo - um tipo de carvão - e outra de 600 MW, que vai usar óleo combustível. Segundo reportagem publicada pelo jornalista Felipe Lobo no site O Eco, “o carvão, que será importado da Colômbia pela MPX para sua termelétrica no Pecém, é o mais barato do mundo. O próprio site da empresa de Eike Batista mostra que uma tonelada de carvão colombiano custa em torno de 24 dólares. Hoje, o barril de petróleo já ultrapassou a casa dos 120 dólares. Com custo baixo, prazo de obras que variam de 36 a 48 meses e pequena necessidade de funcionários (80, nesta usina em questão), a alternativa é um prato cheio para empresários e uma tragédia para o meio ambiente”. O jornalista ainda acrescenta que “além dos potenciais danos aos ecossistemas da região de São Gonçalo do Amarante, a termelétrica ganha em proporção ao se juntar com as outras fábricas do Complexo Industrial Portuário de Pecém. Até agora, além do porto, há uma termoelétrica da empresa Endesa pronta e movida a gás natural momentaneamente parada, uma filial da firma de energia eólica Wobben, um gasoduto semi-finalizado, uma empresa de ração em construção e o terreno desmatado de uma siderúrgica que ainda não aportou em terras cearenses. Fora isso, são esperadas outras usinas movidas a carvão, uma refinaria e diversas indústrias de base.”
Desenvolvimento pra quem? Que tipo de desenvolvimento? O “progresso” vem trazendo prejuízos às comunidades tradicionais. Na região do Porto do Pecém estão as comunidades indígenas dos Anacés. Três delas – mais de 800 famílias - já foram expulsas desde a implantação do Porto. E as que restaram, dividem seu território com toda sorte de empreendimentos. Dentre eles, poderíamos citar duas termoelétricas movidas a carvão mineral. Uma do grupo MPX Energias S.A., comandado pelo mega empresário Eike Batista - que recentemente foi expulso da Bolívia e se instalou nas proximidades do pantanal matogrossense -, e outra da Vale do Rio Doce. Há ainda a solicitação para que a Semace possa conceder licenças prévias para, pelo menos, mais cinco novas usinas, sendo uma delas a gás.
Agravando ainda mais a situação das comunidades daquela região, em setembro de 2007, o Governador Cid Gomes assinou o Decreto nº 28.883, que declarou de utilidade pública para fins de desapropriação uma área de 33.500 hectares, nos municípios de São Gonçalo do Amarante e Caucaia, tendo em vista a implementação e expansão do Complexo Industrial Porto do Pecém. Quase toda essa área é tradicionalmente ocupada pelos índios Anacé. Mas não devemos nos espantar com essa atitude do governador. Em julho deste ano, ele e uma comissão de deputados sobrevoaram as comunidades de São José e Buriti, em Itapipoca, que estão em litígio com o grupo de empreendimentos turísticos Nova Atlantida, e declararam, apenas com esse passeio aéreo, que não havia índios no Ceará. E mais: o vice-governador, Francisco Pinheiro, teve o descaramento de lançar, esses dias, na Bienal do Livro, a sua pesquisa historiográfica sobre a formação do Ceará, um estudo sobre os indígenas, que vai completamente na contramão das atitudes políticas dele.
Em resposta a todas essas provocações, os índios Anacé, em sua última assembléia ocorrida em 18 de outubro do corrente ano, no qual participaram aproximadamente 200 representantes das comunidades dos Anacés de Bolso, Matões, Japuara, Santa Rosa, Gregório, Área Verde I e II, Chaves, Tapuio, Tocos, dentre outras, afirmaram unanimemente que lutarão até o fim pela demarcação de suas terras e não sairão, em hipótese alguma, do lugar onde vivem e onde viveram seus antepassados. Recentemente, os Anacé comemoraram uma importante vitória com a divulgação da Recomendação nº 59, de 12 de novembro de 2008, do Ministério Público Federal no Ceará (MPF/CE), que solicita ao Governo do Estado a interrupção das desapropriações em São Gonçalo do Amarante e Caucaia. O governo terá 15 dias para recorrer ou acatar a decisão.
O discurso do progresso está sendo agressiva e veementemente colocado, com argumentos perfeitamente acomodados à lógica do Capital – emprego, renda para a população local, melhor infra-estrutura - embora não vão se cumprir de fato, como já sabemos. Não cabe aqui, também, idealizar a vida dos indígenas no Ceará, pois sabemos que a situação das comunidades é precária no que diz respeito à saúde, à infra-estrutura (água, luz e telefone) e à educação – uma das grandes reivindicações são as escolas indígenas, em sintonia com a história das etnias, assim como os camponeses lutam pela escola camponesa e os pescadores pelas suas escolas, em consonância com as realidades de cada comunidade. Entretanto, se cabe analisar a situação com o pé no chão, cabe também dizer que a resistência dos modos de vida das comunidades tradicionais são importantes para mostrar a essas pessoas – empresários e governo do Estado - que nem tudo é lucro, que ainda resiste um modo de vida que valoriza a natureza, a memória e o sentimento de viver em comunidade.

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