quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

Não somente passando...















por Pedro Guimarães
fotos de divulgação

Normalmente, eu não gosto de ser marionete para as pessoas. Quando as pessoas me tem com tanto poder, muitas vezes meu coração não acaba bem. Contudo, quando estou num teatro e sou controlado pela encenação, eu amo! Amo sofrer ou rir com aqueles personagens. Em En Passant, novo texto de Rafael Martins, eu fui manipulado completamente. Fui um corpo morto com o qual eles fizeram tudo. Fui das risadas altas ao choro com a mão na boca para não atrapalhar os outros espectadores.

Em uma madrugada qualquer em qualquer praça, duas pessoas quaisquer se encontram. Um homem e uma mulher. Não sabemos o que cada um carrega, qual os motivos que o levaram até ali. Logo sabemos que é dor... Dor que não se explica... Mas que se sente fundo e maltrata.

Através de cenas curtas, os dias vão passando e à platéia são apresentados os diálogos (muitas vezes sem razão lógica) que aqueles dois conseguem travar. E nos sentimos sentados num balanço do lado deles dividindo aquele turbilhão de sensações que não conseguimos definir.

O que será que lhes prende àquele lugar? Será apenas um grande cachecol que insiste em se amarrar a um balanço? Não... Eles encontraram um igual... Ou, talvez... Lá eles podem ser por completo... Ou o mais perto que chegam de ser completos. Por que voltar durante as madrugadas? As madrugadas são as piores horas... O silêncio é tanto que maltrata e a solidão faz questão de se mostrar presente e forte.

E todo o sentimento é dado para a platéia. Perde demais aquele que vai ao teatro mas não se permite ser manipulado por essa história. Interpretações tão vivas, tão verdadeiras! Aqueles personagens existem! Sou eu e mais vários amigos que nas madrugadas difíceis saem em busca de alguma praça, como se nela estivesse uma receita para o coração ficar tranquilo.

A encenação é muito bem cuidada. Opta-se por uma espécie de jogo cinematográfico que enche os olhos da platéia. É quase palpável uma edição cinematográfica, que dá dinamismo, movimento à vida lenta daqueles seres. Nada ali sobra. Tudo tem seu canto, tudo está acomodado. Até nós mesmos, espectadores, nos aconchegamos do lado dEle e dEla para ouvir suas histórias.


A interpretação de Milena Pitombeira controla todos os olhares. Uma energia fortemente pulsante sai dela e toma todos. As intenções são precisas, assim como os gestos. O mais mágico é sentir como se nós fôssemos ela. Queremos pular também no momento de desespero, precisamos de uma salvação! Jadeilson Feitosa nos mostra um homem mais cheio de silêncios. Causa arrepios nos pescoços da platéia ao enrolar freneticamente o cachecol como num último gesto. Um pouco menos de qualidade que a atriz, o que é bastante comum quando o ator assume a direção (embora eu não aceite esse justificativa). Mas Ele também tem força pra pegar o coração de quem assiste “En passant” e apertar com mãos fortes quando diz algumas frases de efeito.

A iluminação de Walter Façanha é linda (algo completamente esperado quando se trata do trabalho desse iluminador). Aceita a proposta da direção e a engrandece. As transições, o piscar de luz e os focos tão bem marcados deixam tudo com um clima de sonho ou de madrugada desperta. A sonoplastia é belíssima! Possui uma unidade completa, como se fosse feita exclusivamente para o espetáculo. Desde a primeira nota, ela é um veículo para a platéia ser puxada para a vida mostrada naquele palco.

A maquiagem, o cenário e o figurino de Yuri Yamamoto fazem jus ao que ele é pra mim: um gênio. E a genialidade está na simplicidade daqueles balanços e daquele poste ao contrário (nossa, como ninguém pensou nisso antes!). A praça tem um tom onírico com aqueles elementos, mas não deixa de existir. E a platéia fica se perguntando onde encontra isso, qual o limiar do palpável e da imaginação no meio daquelas loucuras. O figurino tão cinza parece que quer ser mais forte que o vermelho vivo que ainda existe neles. Tolice... Ainda tem vida naqueles seres, mesmo que difícil de ser percebida.

O texto de Rafael Martins é estranho. Vemos juntos delicadeza e crueldade. É um mergulho tão profundo naquelas personagens que nos perdemos no limite da realidade e da dramaturgia. Talvez o melhor escrito do autor. E outro grande mérito é permanecer nas nossas mentes dias depois. As sensações despertadas no espectador não são somente de passagem...



En Passant teve temporada de três meses neste ano nos teatros da cidade. Vida longa para um espetáculo no Ceará, porém curtíssima se compararmos com o tempo de exposição nos grandes centros. E, principalmente, se analisarmos a

qualidade do trabalho. Acredito que em 2009 outras apresentações virão, para matar a vontade de bom teatro pela platéia fortalezense e a saudade de personagens tão profundos, tão vivos!



Veja a comunidade dedicada ao espetáculo no orkut, onde poderá deixar impressões sobre a peça, conversar com outros espectadores, trocar idéias com os artistas e tirar dúvidas.


O que já foi publicado na imprensa sobre o espetáculo:
http://diariodonordeste.globo.com/materia.asp?codigo=52096
http://diariodonordeste.globo.com/materia.asp?codigo=481893
http://www.opovo.com.br/opovo/vidaearte/771266.html
http://www.opovo.com.br/opovo/vidaearte/769707.html
http://www.opovo.com.br/opovo/vidaearte/740065.html

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