sábado, 25 de outubro de 2008

GAROTOS SÃO DE MARTE

por Carolina Nogueira


Ensinando a Viver (Martian Child, EUA, 2007) é baseado em um conto de David Gerrold, autor de roteiros para séries de ficção científica como Jornada nas Estrelas. No filme temos um outro David, também escritor de ficção científica, e um pequeno marciano em missão exploratória na Terra. Mas não espere invasões extraterrestres ou batalhas tecnológicas. Ensinando a Viver retrata com uma delicadeza infantil o dilema humano, ou talvez shakespeariano, do ser ou não ser.

David Gordon, interpretado por John Cusack, é um escritor viúvo que decide, sozinho, realizar o sonho de sua falecida esposa: adotar uma criança. O filme aborda superficialmente o processo de adoção, não apenas a burocracia, mas também os conflitos enfrentados pelo personagem ao imaginar as conseqüências da paternidade.

John Cusack tem colecionado papéis de destaque em filmes bem sucedidos como Identidade (Identity, EUA, 2003) e O Júri (Runaway Júri, EUA, 2003). Em Ensinando a Viver, ele deveria ser, mais uma vez, o centro das atenções, mas encontra um rival a altura em Bobby Coleman que interpreta Dennis, o garoto órfão que acredita ter vindo de Marte.

Dennis é um personagem fascinante com sua atitude filosófica de experienciar o mundo como se este fosse novo e surpreendente. O pequeno passaria facilmente por um personagem de Jostein Gaarder, autor de O Mundo de Sofia. Dennis tem problemas de relacionamento intensificados por sucessivos abandonos. Sua fragilidade emocional é sugerida logo no início do filme quando o garoto nos é apresentado dentro de uma caixa onde se lê “frágil”.

As histórias de David e Dennis se entrelaçam naturalmente graças aos pontos de identificação entre eles. Quando criança, David tinha problemas parecidos com os de Dennis: dificuldades em se relacionar, atitudes “estranhas” e, principalmente, a fuga através da imaginação. Ele acredita ser capaz de ensinar o garoto a se relacionar com o mundo e a agir como todas as pessoas, assim como ele conseguiu fazer.

A tentativa de mudar o comportamento de Dennis é um dos pontos centrais do filme. Na tentativa de evitar que ele seja rejeitado pela sociedade, a condição de “humano” lhe é imposta. Em uma das cenas, o garoto questiona se é bom ser igual a todo mundo e acaba sem respostas. Mas Dennis não é o único personagem a ser questionado em sua autenticidade. O Próprio David, em uma das cenas, tem de ouvir a máxima: “Por que você não pode ser como nós queremos que você seja?”. Existe um grande dilema entre a necessidade de se encaixar na sociedade e a de ser quem se é realmente, fazer o que se acredita.

Também ganham destaque no filme, os laços familiares criados pelos personagens e seus encontros com temas como perda e confiança. Dennis é uma criança que convive com o trauma do abandono e se protege mantendo um distanciamento do mundo que o cerca, reafirmando para si que ele não pertence àquela realidade e que um dia será resgatado e realmente querido em seu verdadeiro lar. Ele precisa descobrir que seu verdadeiro lar pode ser na Terra, ao lado de David.

Dirigido por Menno Meyjes, mais experiente como roteirista - Meyjes escreveu, por exemplo, o roteiro de A Cor Púrpura (The Color Purple, EUA, 1985) –, Ensinando a Viver não chega a arrancar lágrimas dos espectadores, mas comove ao narrar a história de um pequeno marciano que precisa aprender a ser como todos nós, sem deixar de ser quem ele realmente é.


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